Entrevista completa para a Revista Pós-Venda de junho/2025

Elísio Silva, Diretor da DUAL, traça um retrato claro dos desafios da formação no pós-venda automóvel em Portugal, apontando caminhos para atrair talento, adaptar a oferta formativa às exigências do setor e reforçar a qualificação como pilar da competitividade.

Quais consideram ser os principais desafios da formação no pós-venda automóvel em Portugal atualmente? 

Embora seja consensual que a formação profissional assume uma importância central no pós-venda automóvel, a sua aplicação enfrenta alguns desafios. Quando pensamos na formação de novos profissionais, ou seja, na formação inicial de jovens, o principal desafio está na dificuldade de recrutamento. A imagem que algumas profissões ainda têm junto da população, como é o caso das profissões de pintor ou técnico de reparação de carroçarias, associada a uma deficiente orientação vocacional e profissional junto dos nossos jovens, leva a que poucos se sintam motivados para as mesmas. No que à formação contínua (ou (re)qualificação de profissionais no ativo) diz respeito, a dificuldade está na implementação de programas de formação. Com efeito, ainda que praticamente todos sejamos de opinião de que é importante a formação contínua dos profissionais, nem sempre é fácil conseguir que os mesmos participem em programas de formação. Ou porque os horários não são adequados, ou porque formação é cara, ou porque os profissionais estão muito ocupados e não é fácil disponibilizarem-se para fazerem formação, são muitos e variados os argumentos!

Há ainda um longo caminho a percorrer para que todos, jovens e adultos (profissionais e empresários), percebam que a formação profissional é fundamental e pode fazer a diferença nos seus percursos profissionais e na competitividade das empresas.

O que é necessário fazer para que as oficinas e os técnicos invistam mais em formação? 

Antes de mais, é importante que as entidades formadoras desenvolvam programas ajustados às necessidades das empresas e dos seus profissionais. Quer em relação aos conteúdos, quer aos cronogramas, horários e metodologias. E que esses programas incluam, sempre, levantamento de necessidades de formação, mas também medição do impacto da mesma no desempenho das empresas e das pessoas.

Por outro lado, seria importante que os programas de financiamento disponíveis, nomeadamente no âmbito do Programa Portugal 2030, fossem mais flexíveis e permitissem a realização de ações de formação ajustadas às necessidades do setor.

Mas nada disto sortirá efeito, se os profissionais e os empresários não passarem a olhar para a formação como um investimento fundamental e urgente. Iniciativas com esta da Revista Pós-Venda poderão ajudar a essa mudança.

Campanhas de divulgação de boas práticas relacionadas com o investimento na formação, do impacto que esse investimento tem no desempenho das empresas, poderão, igualmente, ajudar nesta matéria.

De que forma a formação regular influencia o desempenho dos técnicos e o serviço prestado pela oficina? 

Como referido antes, a implementação de programas de formação adequados, terá um impacto positivo no desempenho dos técnicos e dos serviços por eles prestados.

A rápida evolução tecnológica de veículos, a utilização de novos materiais, novos métodos e equipamentos de diagnóstico e de reparação, a necessidade de cumprir normas e regulamentos cada vez mais complexos, exigem profissionais preparados, com competências técnicas, mas também comportamentais e interpessoais adequadas. Deste modo, sentir-se-ão mais motivados e confiantes para enfrentar os desafios com que se confrontam diariamente. A qualidade dos serviços prestados pelas oficinas, a competitividade e sustentabilidade das mesmas, dependem diretamente da competência dos seus profissionais. Investir em infraestruturas, equipamentos, sistemas informáticos, campanhas de comunicação e marketing, entre outros, sem investir na qualificação das pessoas, dificilmente se traduzirá em bons resultados.

Que indicadores, exemplos ou testemunhos podem dar, que mostrem o impacto positivo da formação na rentabilidade das oficinas? 

O aumento da fidelização e satisfação de clientes, a diminuição de reclamações, do tempo necessário para realização de diagnósticos e intervenções, a redução de diagnósticos incorretos e da necessidade de retrabalho, a rentabilização de materiais, são alguns indicadores que podem traduzir o impacto associado ao investimento na formação dos diferentes profissionais que atuam no setor pós-venda.

Que competências técnicas e comportamentais, resultantes da formação, consideram mais importantes para as oficinas num futuro próximo? 

Nos aspetos técnicos, destacaria as competências associadas à transformação digital, à economia circular (muitas vezes referida, mas muito mal “tratada” em quase todos os setores de atividade e no pós-venda em particular), ao aumento dos sistemas eletrónicos e à eletrificação das viaturas. No domínio da gestão, surgem novas competências como análise de dados, decisões estratégicas e liderança de equipas, utilização de ferramentas de inteligência artificial. Já no plano comportamental e interpessoal, serão valorizadas competências como a flexibilidade, a colaboração, a comunicação eficaz e a capacidade de adaptação a novos contextos e, aquela que considero a mais importante de todas: “aprender a aprender”!

Esta priorização mostra que os stakeholders portugueses reconhecem a importância das competências humanas e operacionais. No entanto, o estudo também evidenciou lacunas preocupantes: competências ligadas à sustentabilidade, economia circular, inteligência artificial ou à gestão de riscos e segurança operacional – todas centrais para o futuro próximo

Como se pode combater a escassez de técnicos qualificados nas oficinas? Que medidas poderiam e deveriam ser tomadas para combater esse escassez? 

 A valorização e reconhecimento dos profissionais e das profissões, a implementação de campanhas para atrair jovens para algumas profissões (nomeadamente para as áreas da pintura e reparação de carrocerias), a requalificação de profissionais mais velhos, são exemplos de medidas fundamentais e urgentes para combater a falta de profissionais.

A formação pode ser uma ferramenta importante na retenção de talento dentro das oficinas? De que forma? 

Enquanto a aposta na formação e qualificação das pessoas não for encarada como uma opção estratégica e prioritária por parte de todos os operadores, será difícil “reter” profissionais qualificados nas oficinas. Num cenário de escassez de talentos, continuaremos a assistir à fuga e transferência de profissionais, especialmente em determinadas áreas. Os profissionais mais qualificados continuarão a ser disputados pelas oficinas com maior capacidade e atratividade, enquanto as outras continuarão a ter imensa dificuldade em atrair e reter talentos, com consequências drásticas para a sua competitividade e capacidade de sobrevivência. Será um desperdício se as oficinas não valorizarem, nomeadamente através de processos de qualificação e requalificação, os seus profissionais, especialmente os mais velhos, aproveitando as competências que possuem, mas desenvolvendo novas.

Qual a formação que tem mais procura atualmente, quer na área técnica, quer não técnica (relacionada com o setor do pós-venda automóvel)?

Na área técnica, a eletrificação, a digitalização, o desenvolvimento exponencial da eletrónica, os sistemas de condução autónoma e de ajuda à condução, as caixas de velocidade automáticas, estão a motivar uma elevada procura de formação nestas áreas. Mas também temas alguns temas nas áreas comportamentais e organizacionais têm despertado um crescente interesse:  atendimento ao cliente, gestão oficinal, gestão de cobranças, liderança, espírito de equipa, higiene e segurança, ferramentas digitais de apoio à gestão e inteligência artificial, são temas muito procurados.